quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

SÉRIE: Seleções Carta de Amor - de Fred Jorge (Carta 55)


Meu inesquecível amor!
                “Não voltar nunca mais” é o que diz meu coração, quando a deixo. “Não retornar aos seus braços” murmuram meus lábios, premidos fortemente, um contra o outro, para conter a cascata de lágrimas que rolam dos meus olhos. Eu não quero voltar, por que sei que, no íntimo, você me detesta, não me ama, não me quer.
                Sei que em mim você encontra apenas alguns breves momentos de distração, ou talvez de segurança, mas você não me ama. Vejo indiferença em seus olhos. Vejo ódio em seus lábios, crispados num rítus de dor – e mesmo assim eu a acho maravilhosamente bela! Sei que você não me deixará facilmente, porque precisa de alguém como eu no mundo, alguém que seja maleável, flexível e fácil...
                Mesmo ao saber de sua indiferença, de seu ódio, de seu rancor, não tenho ânimo para fugir – sempre que posso, coloco-me humildemente aos seus pés, numa grande súplica, como se o mundo todo fosse você, unicamente você, querida!...

SÉRIE: Seleções Carta de Amor - de Fred Jorge (Carta 54)


Meu grande amor!
            Tenho entre as mãos sua carta. Meus dedos amassam nervosamente esse fragmento de papel, que contém palavras repassadas de dor, de angústia e de tédio. Meus olhos destilam duas lágrimas amargas, que rolam pelo meu rosto sulcado de rugas prematuras – você pede perdão e quer voltar, quer envolver-me em seus braços deliciosos, que quer meus lábios voltam a beijar os seus...
            Eu recordo todo o nosso amor. Revejo seu vulto lindo caminhando para mim, suavemente, como um deslizar maravilhoso. Revejo todos os bons momentos de felicidade; sinto novamente o gosto macio de seus lábios e relembro com saudade o brilho ingênuo e puro dos seus lábios... Sim, querida: o brilho ingênuo e puro dos seus lábios, rosados como duas pétalas de uma rosa de verão...
            E penso comigo: “Ela voltará, mas não será a mesma. Seus olhos terão marcas de dor. Seu semblante trará a marca maldita do desgosto, da amargura e do amor desfeito...
            E, ao beijar-me, ela também sentirá, como eu, o gosto de outros lábios... Será melhor não voltar – será melhor esquecer, e deixar que a vida se desfaça simplesmente, sem amor, sem romance, apenas envolta em tédio e solidão...”

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

MALINCULIA, by Antonino Sales

1  Malinculia, Patrão,
2   É um suspiro maguado 
3   Qui nace no coração!  
4   É o grito safucado 
5   Duma sodade iscundida 
6   Qui nos fala do passado 
7   Sem se torná cunhicida!  
8   É aquilo qui se sente
9   Sem se pudê ispricá!  
10   Qui fala dentro da gente 
11   Mas qui não diz onde istá!  
12   Malinculia é tristeza 
13   Misturada cum paxão,  
14   Vibrando na furtaleza 
15   Das corda do coração!
16   Malinculia é qui nem 
17   Um caminho bem diserto 
18   Onde não passa ninguém...  
19   Mas nem purisso, bem perto,  
20   Uma voz misteriosa 
21   Relata munto baxinho 
22   Umas história sodosa,  
23   Cheias de amô e carinho! 
24   Seu moço, malinculia 
25   É a luz isbranquiçada 
26   Dos ano qui se passô...  
27   É ternura... é aligria...  
28   É uma frô prefumada 
29   Mudando sempre de cô!  
30   Às veiz ela vem na prece 
31   Qui a gente reza sozinho.  
32   Otras veiz ela aparece 
33   No canto dum passarinho,
34  Numa lembrança apagada,
35   No rumance dum amô,
36   Numa coisa já passada,
37   Num sonho que se afindô!
38   A tá da malinculia
39  Não tem casa onde morá...
40  Ela veve noite e dia
41   Os coração a rondá!
42   Não tem corpo, não tem arma,
43   Não é home nem muié...
44   E ninguém lhe bate parma
45   Pru caso de sê quem é!
46   Ela se isconde num bejo
47   Qui foi dado há muntos ano...
48   Malinculia é desejo,
49   É cinza de disingano,
50   Malinculia é amô
51   Pulo tempo sipurtado,
52   Malinculia é a dô
53   Qui o home sofre calado
54   Quando lhe vem à lembrança
55   Passages da sua vida...
56   Juras de amô... isperança...
57   Na mucidade culhida!
58   É tudo o que pode havê
59   Guardado num coração!
60   É uma histora que se lê
61   Sem forma de ispricação!
62   Pruquê inda vai nacê
63   O home, ou mermo a muié,
64   Capacitado a dizê
65   Malinculia o qui é!!! 

 [pág. 197 – A Língua de Eulália, de Marcos Bagno, Editora Contexto, 16ª Edição]

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Óia procê vê...


Ocê é o colírio do meu oio,
O chicrete da minha carça dins,
O recheio do meu biscoito,
A mastumati do meu macarrão.
Óia procê vê.
Ocê é o vidi prefume da minha istanti,
Óia só procê vê
Qui eu gosto dimai docê.
Aí eu vô pegá um broco
E inscrevê bem grandi:
SARDADI
Dispois eu vô jogá ele nocê
Procê vê como SARDADI dói.